quarta-feira, 28 de maio de 2008

Metrô do Rio de Janeiro - A Divina Comédia!

O metrô carioca é fantástico!


É um microuniverso para Dante nenhum botar defeito, onde podemos facilmente observar a tríade paradoxal formada por: Tecnologia, Brasilidade e Cultura (ou a falta de).


Lá, no metrô, todos os dias se repete uma aula de Brasil e sempre em três capítulos: o paraíso, o purgatório e o inferno. Portanto, convido os amigos agora, para uma viagem no metrô carioca.


CAPÍTULO I - O PARAÍSO

Estamos na estação do Metrô do Largo da Carioca, no coração do Rio de Janeiro, descendo a escada rolante prestes a entrar no que é, depois da praia, o espaço mais democrático do Rio de Janeiro. São ternos de fino corte, mãos calejadas, apostilas em punho, ferramentas na bolsa, bolsas de marca, sacolas de supermercado, mães aflitas, babás esgotadas, tijucanos imponentes, suburbanos sorridentes, processos com elástico, mochilas nas costas...tem de tudo.

Levando em conta os padrões cariocas, nos deparamos com um quesito que sempre deixou a desejar em nossa cidade, a limpeza. É tudo limpo! No chão não se vê bituca de cigarro, papel de bala, saquinho de biscoito, lata de refrigerante, pixações, nem sinais de depredação. As mesmas pessoas que sujam a Av. Rio Branco e a Central do Brasil, que pixam os trens e que depredam os ônibus estão no metrô. Acredito ser um caso de hipnose coletiva ou quem sabe, inexplicavelmente, nunca se atirou a primeira "pedra". Só para ser mais enfático, há poucos anos atrás se fumava dentro dos ônibus, era difícil encontrar um motorista de coletivo que não despejasse suas baforadas nesse ambiente fechadíssimo, porém nos meus 25 anos de metrô, mesmo quando fumar dava status, nunca vi um cigarro acesso nas dependências do metrô.

Por esse prisma, estamos adentrando no paraíso carioca, onde podemos sentir o gosto (ou ver a cara) da civilidade e muito próximos do clímax, que com seus 25º C, nos transportará com dignidade até o nosso destino.


CAPÍTULO II - O PURGATÓRIO

Bléim! Blóm! "Atenção senhores passageiros, nesse capítulo falaremos do metrô em condições normais, fora do horário de rush! O metrô rio agradece, tenham uma boa viagem.

Entramos no vagão, tá fresquinho aqui dentro...ops! Não tem lugar para segurar....tudo bem dá pra equilibrar...ôpa...solavanco...não dá não....

Bom, daí em diante algo acontece. De repente a realidade da nossa cultura (ou falta de) dá o ar da sua graça, se mostrando de forma nua e crua diante de nossos olhos, que estupefados registram os acontecimentos abaixo:

  1. Existem barras de ferro fincandas no chão onde mãos se empilham, fazendo com que para cada barra pelo menos 10 pessoas possam se equilibrar. Mas, quase sempre, somente 2 conseguem essa façanha, porque grande parte das pessoas ao entrar e deparar-se com as mesmas vazias, se recostam nessa barra a fim de liberarem as suas mãos, sem se importar com as outras pessoas que resignadamente (na maioria das vezes) procuram outros meios para manterem-se de pé.
  2. Já se passaram 5 estações, mas reparem que alguns rostos permanecem encostados à porta, obstruindo a passagem de quem entra e de quem sai... em todas as viagens encontramos essas pessoas intelectualmente superiores que descobriram que ao fazerem isto estão mais próximas da saída, logo se deslocarão menos quando chegarem à sua estação....pura física!
  3. "Os bancos de cor laranja, são reservados para idosos, gestantes, deficientes e pessoas com criança de colo!" Ecoa o brado por toda a composição. Porém, o que vemos constantemente, são esses bancos ocupados por pessoas saudáveis, muitos deles com problemas relacionados ao sono incontrolável, mas que por algum mecanismo ainda desconhecido pela ciência, acordam segundos antes de chegarem às suas estações.
  4. "Próxima estacão: Estácio, estação de transferência para a linha 2". Isto não é um aviso. É uma senha! Que na verdade pode ser traduzida como: "Quem for tomar a linha 2, corra para a porta, pois saindo primeiro, você poderá correr e chegar também em primeiro."

Bom, pelo menos o Metrô é limpo....e além disso saí mais cedo...até que tá vazio....


CAPÍTULO III - O INFERNO

Metrô-Rio: 07:15 ou 18:30, estamos no inferno carioca! É nessa hora que esse pedacinho do nosso cosmopolita Rio de Janeiro se transforma em zona rural, mas não pelas paisagens bucólicas, não por um ar provinciano e sim pela formação em manada, de bípedes, digna das grandes fazendas do Mato Grosso e quem sabe até de um clip do Animal Planet. A diferença porém, está no fato dessa manada ser acéfala, quer pela falta de um peão, quer pela falta de um líder. Cada palmo é disputado sem ética, sem orgulho, sem civilidade...enfim sem HUMANIDADE!
Observamos então, com olhos de quem assiste O National Geographic Channel o seguinte comportamento:
  1. Bléim! Blóm! "Atenção senhores passageiros, não ultrapasse a faixa amarela, ela é a sua garantia de segurança. Só ultrapasse a faixa amarela quando o metrô parar e as portas se abrirem!" Eis que chega o metrô, em alta velocidade que aos poucos se esvai, nesse momento já não é mais possível a visualização da tal faixa amarela. Começa então, um estranho balé, cuja coreografia se apoia no fato de que o importante é a porta. Todos tem uma forte noção inata de que ficar de frente para porta é o segredo do sucesso e disso depende toda a sua vida daqui por diante.
  2. A porta se abre, é agora ou nunca! Vale entrar de lado, de costas, devaaaagaaariiinho ou na força. Vale também um lindo momento de solidariedade, que é quando sorridentes, educados e abnegados membros da manada, seguram a porta impedindo seu fechamento para que os últimos possam também chegar ao grande prêmio....ENTRAR!
  3. Estamos dentro...ufa...vem mais uma estação e o estranho ritual se repete...êpa...chegou na estação Central do Brasil, mas muitos só soltarão daqui a duas estações...ledo engano...parte da manada vai saltar aqui. É nessa hora que, quem está na reta da porta salta junto, empurrado, amassado, mas já pensando em como retornar, que pode ser de lado, de costas, devaaaagaaariiinho ou na força.
  4. Dentro da composição estão, segundo a lei de Darwin, juntos à porta os mais fortes da raça, os puro-sangue e, no restante da composição, aparecem outras raças e até humanos...mas agora é um grande momento desse ciclo migratório...chegou "no estácio"! A estação de transferência para a linha 2! Muitos dos componentes dessa manada estão abarrotados, de forma ainda mais severa, porque graças aos seus instintos aguçados e inteligência ímpar, fizeram questão de escolher os vagões que param na "reta" das escadas que dão acesso a supracitada linha. Abrem-se as portas e começa o primeiro ato da confirmação da imbecilidade que difere os homens dos animais. Começa uma corrida, a toda velocidade pelas escadas. O objetivo é o mesmo: chegar primeiro na linha 2, pois assim, as chances desses mais puros representantes da raça (seja ela qual for), entrarem no metrô de uma estação terminal, onde todos devem saltar e irem sentados aumenta muito.
  5. Chega o Grand Finale! Se repete então, o balé do posicionamento das portas, mas agora é exigido algo mais. Agora é um novo desafio. O prêmio é inimaginavelmente mais tentador e importante. É ir sentado. Mesmo que por 15 ou 20 minutos. Não existe glória maior para essa espécie! Então é hora de dar tudo. Os olhos atravessam os vidros e se sentam no local escolhido. Infelizmente essa manada não é como a dos elefantes, os mais velhos não estão atrás e os mais jovens não estão protegidos. Mas não dá pra pensar nisso agora, pois a porta se abriu. É a dança das cadeiras, todos se empurram e disputam como alimento escasso, um lugar para sentar. São exatamente 2 segundos (cronometratos) para que todos os lugares estejam ocupados. É um momento de êxtase! Embora alguns se machuquem ou se indignem, o mais incrível é que de cada 10 membros da manada, 8 ou estão rindo porque conseguiram ou estão rindo porque quase conseguiram, mas...amanhã tem mais!
Espero sinceramente que nossa sociedade promova o mais rápido possível o PAC - Programa de Aceleração da Cultura, digo PAC - Programa de Acesso a Cultura, pois não se pode acelerar o que não se tem!
Jorge Baraúna

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